segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Epidemia de Cólera em Rio Maior no ano de 1855

Estamos a viver uma muito grave epidemia em Rio Maior, devido à COVID-19.

Esta epidemia por ser geral e abranger todos os países, toma o nome de Pandemia.

 


Este artigo vai descrever a epidemia de cólera que ocorreu em 1855-1856 em Portugal, mas com o foco em Rio Maior.

É importante verificar que já em meados de 1855 se tentava descrever o meio em que a epidemia se desenvolvia, identificar as linhas de contágio, descrever os sintomas, os tratamentos que dão resultado e os tratamentos que não funcionaram.

É um texto longo, que o deixei ficar em português antigo, mas que é interessante pois descreve como viviam as populações da Vila da Marmeleira e de Assentiz na altura e como a cólera se propagou.

O texto foi retirado do relatório da epidemia de cólera em Portugal nos anos de 1855 e 1856. O relatório é elaborado pelo Conselho de saúde Pública e finalizado em 1858. 

“A epidemia de cholera-morbus havia terminado na Inglaterra, e na França em fins do anno de 1854; mas prosseguiu ainda devastando a Peninsula Iberica. 

O flagello, limitado por muitos mezes ao reino de Galliza, onde penetrára por Vigo em novembro de 1853, investiu também os  portos do Mediterraneo no anno subsequente. 

Percorrendo mais ou menos rapidamente o litoral a leste e ao  poente de Hespanha, e convergindo de um e d'outro ponto sobre as províncias centraes d'este reino em 1855, a epidemia abrangeu na sua marcha assoladora as povoações confinantes com o nosso Portugal na extensa linha, que vae desde a foz do Minho á do Guadiana. 

Estreitamente assedia do por todos os lados, exposto, apesar das precauções tomadas, aos repetidos golpes de tam audaz inimigo, e frustradas as suas primeiras investidas nos anos de 1853 e 1854, o nosso paiz foi infelizmente victima da epidemia de cholera-morbus, que o invadiu em 1855, acommettendo todos os districtos do continente, salteando a Madeira, e fazendo por toda a parte lamentáveis estragos, principalmente n’aquella ilha, e no Algarve. 

 

INVASÃO, E MARCHA DA EPIDEMIA (EM SANTAREM) 

Dos 17 concelhos que formam o districto, apenas foram invadidos pela cholera os de Abrantes , da Gollegă , do Cartaxo , de Santarem e de Benavente; mas só em dois d'estes assumiu maior desenvolvimento, começando pelo 

CONCELHO DE RIO MAIOR 

 

Marmelleira 

No dia 19 de Outubro, teve logar a invasão da cholera-morbus na Marmelleira. 

Consta esta aldéa de 180 fogos com 500 habitantes, e fica situada no cume de um monte, cercada de vinhas e de olivaes. Na base, da parte de leste, existe um pântano permanente. Um extenso valle a limita pelo sul, e pelos demais pontos o paul da Asseca. 

Por todas as ruas, pateos e curraes há camadas de mato, que pela decomposição constituem uma estrumeira continuada. 

As casas são pela maior parte de telha-vã e de pavimento térreo, frias e humidas durante o inverno. 

A Alimentação de seus habitantes é em regra composta de pescado salgado e de vegetaes. 

Os seus habitos são os dos jornaleiros dados á cultura vinícola e á de cereaes; sóbrios por necessidade, mas em opposição com a hygiene quanto ao aceio pessoal e domiciliario. 

A fonte de que esta povoação se abastece fica na encosta do monte para o poente, e postoque seja potável a agua toma durante as chuvas a côr alourada, por effeito da infiltração através das estrumeiras. 

Antes de manifestar-se a epidemia cholerica já grassavam febres intermittentes complicadas de hypertrophias splenicas, hepatites e diarrhéas, as quaes segundo o costume foram abandonadas, se não aggravadas pelos preconceitos e ignorancia. Tal era o quadro pathologico d’esta povoação quando a epidemia appareceu. 

Primeiro caso. - Deu-se o primeiro caso de cholera em um homem de 40 annos, o qual estando no seu trabalho do campo foi no dia 19 de Outubro repentinamente attacado de diarrhéa, vomitos, caimbras, anxiedade precordial, e outros symptomas, cuja somma e valor induziram o facultativo da localidade a diagnosticar cholera-morbus. 

Quatro dias se passaram sem que outro caso occorressse; mas no dia 24 para 25 appareceram repentinamente acommettidas acima de 60 pessoas de todas as idades e sexos; nenhuma porém da familia do primeiro attacado. D’estas 60 falleceram 13 dentro das primeiras 24 horas. 

Nos dias immediatos repetiram-se os casos com igual intensidade, e logo foi declinando a epidemia, até findar em 27 de novembro. 

O desenvolvimento do flagello coincidiu com a passagem de quarenta pescadores de Ilhavo, que por ali fizeram caminho para Lisboa. 

Os primeiros enfermos estiveram em quasi total abandono por falta de facultativos e d’outros recursos, porém depois os demais cholericos foram quotidianamente visitados em domicilio ou no hospital especial, que ali se estabeleceu. Foi desempenhado este serviço pelo facultativo municipal de Rio Maior, e pelo cirurgião Paulo José da Silva, residente em Almoster. Um e outro são dignos de louvor pelos serviços prestados n’esta ocasião. 

 

Assentiz 

Na distancia de uma legua ao sul da Marmelleira jaz uma outra pequena povoação denominada Assentiz , que conta 60 fogos. 

As condições topographicas d’esta localidade são approximadamente as da Marmelleira; os hábitos d’aquelle povo, o género de vida e a alimentação o mesmo; mas variam as circumstancias hygienicas emquanto ao aceio no interior das habitações, sendo estas pela maior parte altas e assobradadas. 

Em 26 de outubro rebentou ali a epidemia, e foi progredindo de sorte, que em 2 de novembro se achavam attacadas 22 pessoas; e em 7 terminou com um caso. 

A clinica também foi exercida n’esta povoação pelos facultativos já mencionados. 

A epidemia mostrou-se aqui mais benignamente, e foi precedida de diarrhéas premonitórias. 

O tratamento empregado nos diversos períodos da doença, tanto na Marmelleira como em Assentiz, foi o geralmente seguido; lançou-se mão dos rubefacientes cutâneos, desde as fricções seccas até aos preparados amostardados, camphorados e ammoniacaes; prescreveram-se infusões aromáticas e alcoolizadas, ether, sulphato de quinina, banhos quentes e fitas ammoniacaes percorridas a ferro ao longo da espinha; porém de tudo isto não tirou vantagem. Comtudo o uso da ipercacuanha em doses vomitivas, com o fim de combater o vomito e a diarrhéa, aproveitou em alguns casos. 

 

Foram attacadas no concelho de Rio Maior 127 pessoas, das quaes falleceram 55. 


 


Pode saber mais sobre epidemias em Rio Maior desde o século XVIII 

https://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2013/10/epidemias-em-rio-maior-desde-o-seculo.htm

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