Tendo por base o
postal com o endereço de Rio Maior mostrando uma oficina de sapateiro em meados
do século passado, decidi investigar um pouco mais.
A pouco mais de
dez quilómetros de Rio Maior, em 1950 havia na freguesia da Benedita 750
(setecentos e cinquenta) sapateiros que trabalhavam em 120 oficinas.
Era habitual os
sapateiros da Benedita deslocarem-se ao mercado mensal de Rio Maior, alguns de
bicicleta, para venderem o seu calçado. No final do mercado tentavam trocar,
nas lojas da região, o calçado não vendido por artigos de sapateiro como solas
e cabedais. A Feira das Cebolas em Rio Maior servia de montra ao trabalho
destes sapateiros que ganhou fama na região.
Em termos
históricos é aceite que a influência do calçado nesta região provém do Mosteiro
de Alcobaça. Sapateiro era uma das profissões mais representadas nos Coutos de
Alcobaça nos séculos XIV e XV. Nos finais do século haveria 26 sapateiros nos
Coutos, dois por povoação, excepto em Alcobaça. Devido à fraca qualidade dos
solos de Benedita, esta actividade seria um complemento aos parcos rendimentos
que provinham da agricultura.
A freguesia da
Benedita ganhou ao longo do século XX, o epíteto de “Terra de sapateiros”.
Até meados do
século passado as oficinas na em Benedita eram de caris familiar em que o saber
passava de pais para filhos. Como é mostrado no postal, junto ao sapateiro
havia sempre um velho alguidar de barro para pôr a sola de molho, para a
amaciar e poder bater, tornando-a mais concisa e durável.
Durante a Segunda
Grande Guerra havia falta de solas e cabedais e por isso, falta de trabalho
para os sapateiros. Mas os sapateiros logo se organizaram e clandestinamente este
material era transportado no dorso de mulas, vindas de Alcanena pela Serra dos
Candeeiros.
Devido ao
violento esforço físico exigido, em 1945 é definida a idade mínima de 14 anos
para trabalhar neste ofício.
Na década de 60 do
século passado a freguesia foi alvo de um projecto de Desenvolvimento
Comunitário que tinha por base o associativismo dos sapateiros e se estendia à
melhoria das condições de vida de toda a população. O negócio saiu da
clandestinidade e foram criadas duas grandes fábricas no âmbito deste projecto.
A freguesia passou a ter água canalizada, luz e estradas alcatroadas.
O Pé Descalço.
Durante muito
tempo o povo português andou descalço, a pobreza assim o impunha e mais tarde o
hábito.
Só a partir dos
últimos anos da monarquia é que se tentou reverter esse costume através de
manifestos e da proibição da entrada em Lisboa de pessoas descalças, mas sem
grandes resultados.
Foi na década de
30 (século XX) que se erradicou das cidades esse costume através dos esforços
do governo que decretou a lei nº 12073 em 1928 que publicava:
a) É proibido o trânsito de pessoas
descalças na via pública das áreas das cidades, que serão delimitadas por
postura municipal;
b) As disposições poderão igualmente ser
aplicadas a outras localidades por decisão dos governos civis;
c) A transgressão do disposto será punida
com uma multa de $50 a 2$00. A reincidência será punida com o dobro da pena.
Em 1928 a Liga
Portuguesa da profilaxia Social criou uma campanha nesse sentido, considerando
o uso do pé descalço indecente e anti-higiénico, publicando nessa altura o
livro “O Pé Descalço – Uma vergonha nacional que urge extinguir”.
Em 1947 surgiu
nova campanha de sensibilização onde se criou também programas de vacinação
anti-tétano. Agora o problema já não era tanto a pobreza extrema, mas o hábito
de andar descalço.
Estas campanhas
continuaram a nível nacional e regional e muitas pessoas foram presas durante 1
ou 2 dias quando eram apanhadas descalças sobretudo nas cidades e nas vilas
porque nas zonas mais rurais não havia tanta fiscalização, então viam-se pelos
caminhos homens com botas penduradas ao ombro para serem apenas calçadas quando
chegassem às vilas ou às cidades.
Todos os anos se realiza no primeiro fim-de-semana de agosto a Festa do Pé Descalço na freguesia de Asseiceira.