Guerra da Patuleia
Patuleia é o nome pelo qual se
designa a guerra civil, entre Outubro de 1846 e Junho de 1847, travada entre
Cartistas, defensores da Carta Constitucional de 1826, e Setembristas, apoiantes
da Constituição de 1838. Foi desencadeada pela nomeação, depois do golpe
palaciano de 6 de Outubro de 1846, a que se dá o nome de “Emboscada”, de um
governo cartista que tinha como presidente o marechal João Oliveira e Daun,
duque de Saldanha. Para alguns autores, o nome “Patuleia” deriva de pata ao léu
(pé descalço); para outros, é um termo espanhol que significa “soldadesca sem
disciplina”.
A guerra civil teve uma duração de
oito meses, opondo os cartistas (com o apoio da rainha D. Maria II) a uma
coligação que juntava setembristas a miguelistas. A guerra terminou com a
vitória cartista, a 30 de Junho de 1847 pela assinatura da Convenção de
Gramido. A paz só foi conseguida após a intervenção de forças militares
estrangeiras ao abrigo da Quádrupla Aliança (Reino Unido, a França, a Espanha e
a Igreja Católica).
De referir que entre 1807 e 1811
houveram as invasões francesas que debilitaram em muito as estruturas sociais
em Portugal. A razão das invasões a Portugal relacionou-se com a recusa
portuguesa em aderir ao Bloqueio Continental decretado por Napoleão em relação
à Inglaterra, no ano de 1806.
Mas as guerras internas começaram
com a Guerra Civil entre liberais e absolutistas sobre a sucessão real e que
durou de 1828 a 1834.
Na Guerra Civil Portuguesa,
também conhecida como Guerras Liberais, Guerra Miguelista ou Guerra dos Dois
Irmãos, foi a guerra civil travada em Portugal entre liberais
constitucionalistas e absolutistas sobre a sucessão real, esteve em causa o
respeito pelas regras de sucessão ao trono português face à decisão tomada
pelas Cortes de 1828, que aclamaram D. Miguel I como rei de Portugal. As partes
envolvidas foram o partido constitucionalista progressista liderado pela rainha
D. Maria II de Portugal com o apoio de seu pai, D. Pedro IV, e o partido
absolutista de D. Miguel. Estiveram também envolvidos o Reino Unido, a França,
a Espanha e a Igreja Católica.
Já na Primavera de 1846 ocorre a
Revolução Maria da Fonte, ou Revolução do Minho, contra o governo cartista
presidido por António Bernardo da Costa Cabral. A revolta resultou das tensões
sociais ainda vindas das guerras liberais e pelo grande descontentamento
popular gerado pelas novas leis de recrutamento militar, por alterações fiscais
e pela proibição de realizar enterros dentro de igrejas.
Rio Maior esteve bastante
envolvido desde o início nesta guerra civil e apesar de muito extenso, é
interessante ler as referências que aparecem sobre Rio maior no Jornal “O
Curioso”, um Jornal Político e Comercial de 1846 a 1847.
Antes de passar a transcrever as
passagens que julgo serem relevantes, existem aspetos importantes em Rio Maior
referentes a estas guerras civis:
- A Casa Senhorial D. Miguel deve
o seu nome à permanência do monarca neste espaço antes da Batalha de Almoster,
como pode ser visto em:
- Em 1834 o Concelho de Azambuja
foi extinto por D. Maria II por represália da povoação ter estado ao lado de D.
Miguel durante as lutas liberais, como pode ser visto em:
- Os Condes de Rio maior também
tiveram participação relevante nestas guerras civis, nomeadamente a Condessa de
Rio Maior (casada com o 3º Conde de Rio Maior) e o Duque de Saldanha (filho do
1º Conde de Rio Maior), como pode ser visto em:
- Em Rio Maior também aconteceram
eventos militares de relevância durante as invasões francesas, como pode ser
visto em:
Agora as passagens relevantes do
jornal “O Curioso”
20 Outubro de 1846
“Portugueses! Às armas! Um
punhado de assassinos se prepara na Capital do reino para vos extorquir a
liberdade que comprastes com sangue e roubar-vos as regalias com que os reis
passados vos remuneraram as vossas virtudes.
Portugueses! É necessário que não
deixeis levar avante tão infame desígnio. Não é a primeira vez que vos vistes
ameaçados pelas baionetas dos tiranos e que os debelastes sobre o campo de
batalhas, nessas lides passadas de religião e nacionalidade.”
“Irrmo e Exmo Snr., O Exmo
Conselheiro Manoel da Silva Passos foi ontem procurado em Alpiarça por uma
força dos rebeldes estacionados em Santarém, porém não foi encontrado. Contamos
reunir aqui dentro de dois dias forças populares de Alenquer, Lanceiros de
Valada, Cartaxo, Rio Maior, Torres Vedras e Nazaré. Com estas forças reunidas e
ocupando Peniche com gente da nossa confiança marcharemos para onde convier.
Manoel da Silva Passos e José Estevão são os nossos comandantes. O povo corre
de toda a parte a alistar-se debaixo das bandeiras de tão ilustres
cavalheiros.”
26 Outubro de 1846
“O Visconde de Sá marchou ontem e
deverá chegar no dia 27 aí (Porto). De Artilharia parte já um Destacamento. Por
aqui nada de novo. Évora foi atacada pelo Barão de Estremoz com 450 infantes e
210 cavalos que foram repelidos. Estava a chegar ali o General Celestino com a
força do Algarve. De Santarém saiu infantaria nº1 sem mochilas a reforçar o
Barão de Estremoz. José Estevão marcha com as forças populares sobre Rio Maior.
Em 26 do corrente, José Ferreira
Coelho, Alferes comandante da 2ª Divisão Telegráfica.”
29 Outubro de 1846
“Illmo e Exmo Snr. Acho-me junto
a Rio Maior, 4 pequenas léguas de Santarém, a onde tenciono entrar em dois
dias. O Galamba tomou a Artilharia ao Salazer e o Celestino vem sobre Évora.
Deus os guarde a V. Exa junto a Rio Maior 29 de Outubro de 1915, Illmo e Exmo
Snr. José da Silva Passos, Vice-Presidente da Junta Provisória do Governo
Supremo do reino, O delegado da Junta, José Estevão Coelho de Magalhães.”
30 Outubro de 1846
“Illmo e Exmo Snr. Gozo o favor
de assegurar a V. Exa que pela uma hora da tarde do dia de hoje, entrei no
Distrito confiado à minha administração, na Vila de Rio Maior, 4 pequenas léguas
distante de Santarém e assumi interinamente o Governo Civil e amanhã conto
entrar na Sede de Distrito. As forças rebeldes que estão em Santarém são apenas
250 baionetas e 25 cavalos e se acham com bagagens carregadas sendo constante
que evacuarão aquela Vila à porção que forem chegando as forças populares que
convergem sobre aquele ponto de diferentes partes. O entusiasmo do povo é
imenso, nesta Vila fui recebido a repique de sinos e fogo do ar e fica
organizando-se uma força nesta Vila anseia a glória que cabe aos seus
companheiros de armas pelo triunfo de uma causa tão santa como aquela em que
nos achamos empenhados. Agora mesmo entrou nesta Vila a força de cavalaria
nacional de lanceiros comandada pelo valente patriota Illmo Snr Adolfo Manoel
Nunes e vem entrando a brigada do valente e intrépido o Illmo e Exmo Snr. José
Estevão Coelho de Magalhães.
Deus Guarde a V. Exa Rio Maior 29
de Outubro de 1846. Illmo e Exmo Snr José da Silva Passos, Vice Presidente da
Junta Provisória do Supremo Governo do reino, O Governador Civil Interino,
Tristão de Abreu e Alburquerque.”
31 Outubro de 1846
“Illmo e Exmo Snr. Dei ontem
conta a V. Exa que havia entrado no Conceilho de Rio Maior, distrito de
Santarém e assumido o Governo Civil do mesmo. Expedi a seguinte circular a
todos os Administradores dos Concelhos do meu Distrito para que não prestem
obediência ao governo intruso, aos rebeldes ou autoridades suas, sendo eu o
Magistrado superior administrativo legal até que a Exma Junta Provisória do
Governo Supremo do reino determine o contrário. Fiz ativar a cobrança dos
rendimentos públicos e tenho a satisfação de assegurar a V. Exa que neste
concelho em oito horas realizei a receção de dinheiros públicos que fornecerão
por alguns dias a brigada do comando do Exmo José Estevão de Magalhães, que
ontem à uma hora deu entrada nesta Vila sendo recebido a repiques de sino e
foguetes. Está-se organizando aqui uma força popular de valentes patriotas, que
hoje por noite conto ficará armada e pronta para marchar para onde convenha. …”
Deus Guarde a V. Exa Rio Maior 31
de Outubro de 1846. Illmo e Exmo Snr José da Silva Passos, Vice Presidente da
Junta Provisória do Supremo Governo do reino, O Governador Civil Interino,
Tristão de Abreu e Alburquerque. Confere António Bernardino de Carvalho diretor
da Repartição dos Negócios do Reino.”
3 de Novembro de 1846
“Illmo e Exmo Snr. Vou avançar à
manhã sobre Rio Maior. Peço a V. Exa que comunique à Junta Provisória do
Governo Supremo do reino o meu movimento, o que não faço por não ter tempo.
Deus os Guarde a V. Exa Quartel
General em Leiria 3 de Novembro de 1846, às 8 horas da noite. Illmo e Exmo Snr
Marques de Loulé, Conde das Antas.”
6 de Novembro de 1846
“Illmo e Exmo Snr. Pelo ofício
que acabo de receber e que remeto a V. Exa verá que Santarém foi ontem mesmo
ocupada pela coluna do conde da Taipa, Deus Guarde a V. exa Quartel General em
rio Maior 6 de Novembro de 1846. Conde das Antas.
7 de Novembro de 1846
“Vimos uma carta datada de 7 do
corrente em Rio Maior escrita por pessoa fidedigna que faz parte do nobre fiel
e valente Exército Nacional que além de conter várias notícias de interesse por
nós já publicadas diz o seguinte: Continuam a apresentar-se oficiais e soldados fugidos da capital”
9 de Novembro de 1846
“Illmo e Exmo Snr. Vou marchar
com todas as minhas forças para Santarém, não só para ocupar tão interessante
ponto, como para dar a mão às tropas fieis do Alentejo e Algarve, que hoje
devem estar reunidas em Évora. Deus Guarde a V. Exa Quartel General de Rio
Maior 9 de Novembro de 1846. Conde das Antas. Illmo e Exmo Snr. Francisco de
Paula Lobo d’Avila.”
10 de Novembro de 1846
“Illmo e Exmo Snr. Ontem entrei
nesta Vila (Santarém), com toda a força do meu comando e já se principiou o
restabelecimento das linhas, estando seguro que não há força que de aqui possa
expulsar-me. Em Rio Maior deixei José Estevão, comandando os Batalhões de
Alcobaça, Caldas e Rio Maior, bem organizados e que sobem a 1.000 homens, e
hoje mando o Conde da Taipa para Almeirim com uma bela força de 600 homens. Aqui
estão 2.500 populares debaixo das ordens do Cézar de Vasconcelos.
Deus Guarde a V. Exa Quartel
General em Santarém, 10 de Novembro de 1846. Illmo e Exmo Snr. Francisco de
Paula Lobo d’Avila.”
17 de Novembro de 1846
“Quartel General de Santarém, 17
de Novembro de 1846.
Batalhão Nacional Móvel de Rio
Maior.
Comandante, Joaquim Machado
Franco.
Major, José da Costa Soares.
Ajudante, o Tenente graduado do
Batalhão de caçadores nº1 servindo no nº2 da mesma Arma, José Cyrillo Machado.
Quartel Mestre, António Gil
Alves.
Porta Bandeira, José Machado
Feliciano.
Capitães: António Correa Mendes,
Joaquim da Motta Ferreira e José Correa d’Almeida.
Tenentes: Henrique de Carvalho,
João Machado Feliciano, José Henriques de Carvalho e Manoel Bernardino.
Alferes: Joaquim Machado
Feliciano, António de Sá, Joaquim Ramos Franco e José Carvalho.
….”
10 de Dezembro de 1846
“Correu aqui ontem quase geral
que no quartel geral do Exmo Conde das Antas houvera um movimento de suma
transcendente, tendo sido destacadas de Santarém todas, ou a maior parte das
forças sobre Rio Maior e retirando sobre Lisboa, acrescentavam alguns, as
forças rebeldes de Saldanha.
Nem damos inteiro crédito ao
boato, nem completamente o rejeitamos, com quanto ignoramos absolutamente o seu
fundamento. Os últimos movimentos de tropas ao Sul podiam efectivamente ter
influído para movimentos transcendentes nos dois quarteis generais. As
vantagens que ultimamente temos obtido na esquerda do Tejo estando quase às
portas da capital pelo lado de Almada e além disso a retirada de Leiria da
coluna Lapa, perseguida pela denotada do exmo conde de Bonfim, que segundo as
últimas participações devia no domingo ficar em Alcobaça.
De mais a mais o estado vulcânico
em que se acha a capital, segundo todas as informações e por fim também o
descrédito em que vai caindo o general das cem caras que prometendo subjugar
todo o país apenas se tem podido estender até ao Cartaxo, podem efetivamente
ter causado sérios e talvez decisivos acontecimentos. Anciosamente esperamos
notícias que oxalá sejam conformes aos desejos dos verdadeiros patriotas.”
18 de Dezembro de 1846
“Corre como certo que o Tenente
General Conde de Bonfim, se acha ocupando o ponto de Torres Vedras, sete léguas
desviado de Lisboa e o valente General Conde das Antas em Rio Maior. Em breve
anunciaremos a entrada destas forças na Capital.”
20 de Dezembro de 1846
“Illmo Exmo Snr. Ontem saí de
Santarém depois das 10 horas por me constar a marcha das forças de Saldanha,
umas na direção da Azambuja e outras na de Alcoentre e às 5 horas da tarde
entrava em rio maior. Eu sabia que o Conde de Bonfim devia pernoitar em Torres
Vedras e por isso esperava com razão que o inimigo marchasse na manhã de hoje
na direção de Cadaval ou de Alenquer, mas vi com a maior surpresa que o não fez
e só agora que são 8 horas da noite sou informado de ter empreendido a marcha
às 3 horas da tarde. Acredito que o Conde de Bonfim, adiantando uma marcha do
Saldanha, estará amanhã às portas da Capital. Eu vou seguir as tropas inimigas
quase na mesma direção que levam, contando com uma vitória decisiva no caso de
se chocarem as tropas, o que no estado atual das coisas me parece impossível
evitar. Julgo pois que em poucos dias acabará esta luta fratricida, unicamente
ocasionada por meia dúzia de degenerados portugueses.
Deus Guarde a V. exa Quartel
General em Rio Maior 20 de Dezembro de 1848. Illmo e Exmo Snr. Francisco de
Paula Lobo d’Avila, Conde das Antas.”
16 de Maio de 1847
“Pois que ontem entrou em Tomar
uma guerrilha forte, segundo se afirma de mais de 200 homens! No Fundão há dias
reapareceu a dispersada pelo capitão Liz de cavalaria 8, cometendo ali os
maiores excessos. Em Penamacor houve movimento anárquico; em Peniche igualmente
em 12 deste mês; e há dias nas Caldas, donde fugiram os principais agitadores,
que de certeza se sabe, acharem-se nas serras de Rio Maior. Eu havia combinado
uma batida aquela serra no dia 15, com a pouca força que está nas Caldas, e com
o comandante do batalhão de Torres Novas; porem frustrou-se a combinação pela
sedição em Peniche, e entrada dos guerrilhas ontem em Tomar, eu não obstante
fiz marchar o major Fialho com 80 baionetas para Alcaneda, ignorando ainda a
entrada dos guerrilheiros em Tomar, mas logo que esta me constou mandei ordem
ao dito major para marchar logo para Torres Novas, e ali de combinação com o
Lapa perseguir aqueles bandidos. O presente estado das cousas tem posto em
grande desanimação os cartistas, e pelo contrário tem dado muita energia aos
agitadores.
15 de Maio de 1847
“Cabe-me por esta ocasião a honra
de participar a V. Exa que faltarão os correios ordinário e extraordinário que
dessa capital deviam ontem chegar a esta cidade (Coimbra), constando que foram
roubados nas proximidades de Rio Maior.
Deus guarde a V. Exmo Coimbra 15 de Maio de 1847. Illmo e Exmo Sr.
Ministro e secretario de estado dos negócios do reino. O governador civil
interino barão de Almofallo.”
16 de Maio de 1847
“Consta que no dia 14 foram
roubados quatro correios entre Alcobaça e Rio Maior.
Deus guarde a V. Snr Quartel em Santarém 16 de Maio de I847. —
Illmo Snr. J. de Pina Freire. C. C. Pedroso, coronel governador militar.”