quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Gruta de Alcobertas - Descrição de Bernardino Soveral em 1872

Descrição da Gruta de Alcobertas feita por Bernardino Arede Soveral na publicação “Diario Illustrado, nº127” de 4 de Novembro de 1872.

A descrição é um pouco longa, mas vale a pena pela emoção que o autor coloca na descrição do que o envolve.

 

Vou iniciar a descrição quando acenderam as tochas na entrada da gruta. Deixei a transcrição em português antigo para não a adulterar.

De lembrar que a Gruta de Alcobertas a esta data era considerada uma das mais bonitas da Europa. 

 

“Accenderam-se portanto, e distribuíram-se os brandões de cera que levavamos. Bem depressa a luz do dia desappareceu, e esta especie de procissão caminhava á luz das tochas. Eramos ao todo 9 pessoas.

Tinhamos caminhado uns 15 a 20 metros, e a gruta já tinha uma capacidade de 3 metros de alto e 2 de largo : nas paredes d’ella começavam a apparecer camadas de diversas crystalisações, que similhavam um forro de musgo ; mas tão branco e transparente, como se uma camada de neve, em manhã d’inverno, houvesse cahido por cima d’elle, conservando-lhe a fórme ramosa. Era lindo ver como as nossas luzes faziam refulgir uns reflexos cambiantes d’aquelles grumos aparentes de um orvalho gelado. 

Tenho visto algumas grutas que há no paiz. Li na excelente obra de Adolphe Joanne (Voyage ilustrée dans les cinq parties du monde) as descripções de diversas grutas, e não encontrei alli, como na gruta que descrevo, tantas, tão variadas e tão imponentes crystalisações, em uma distancia de mais 300 passos, com abobadas de cinco a nove metros de altura, recamadas de estalagmites admiraveis pelo volume, pelas côres, pela transparência e pelo brilho. É realmente surprehendente o ver como das paredes da galeria brotam umas crystalisações como se fosse vegetação de marmore e vidro, aflorando aquellas superfícies perpendiculares ; outras vezes, pousando aquelles ornatos sobre uns degraus que vão esconder-se nos franjados que pendem dos extremos da abobada: faz parecer que uma cascata acabava de se gelar n’aquelle momento.

A gruta de Alcobertas tem de extensão 210 metros : a galeria d’ella tem algumas curvas, e a não ser necessário subir e descer em trez logares, a 2 e 3 metros de altura, podia caminhar-se até ao fim em um plano quasi horisontal. Não é necessário descer a perigosas profundidades, como na famosa gruta das fadas, na cordilheira da Serane, onde Cimarozza, descendo ao abysmo do monte Tharene, e escutando os sons das harpas eólicas, recebiam, das correntes do vento, lições de harmonia. Esqueceu-me levar uma bussola para conhecer a direcção da galeria, mas pareceu-me que seguia o dorso da montanha, para o lado do Sul. 

A gruta contém quatro grandes salões, o ultimo dos quaes, é colossal : em toda a galeria não há o menor espaço de pedra nua ; a abobada e lados d’ella, a não terem algumas agglomerações de crystal de rocha, podia dizer-se que eram completamente forradas de crystaes, de carbonato de cal, coloridos, brancos, opacos ou transparentes, e por isso, despertando sempre a curiosidade, pela variedade dos quadros que apresenta.

Em alguns dos intervallos dos quatro salões, há umas curvas com uns pórticos assimilhando diversas entradas para outras galerias. Apparecem alli, em um d’elles, uns cortinados, pendentes de uma especie de architrave, e assimilhando as pregas e apanhados de tecidos, encorpados, dando reflexos como se fossem bordados de lantejoulas. Em outros, nota-se a similhança de bambinellas, que ora se escondem para o centro de largas fendas cavadas nos flancos da rocha, cheias de sombras que resistem á força das nossas luzes; ora deixando apparecer na altura de 5 a 18 decimetros um agrupamento de colunas alvíssimas, de diametro entre um e tres decimetros. Aquellas tapecerias consistem de uma lindíssima aggregação de crystalisações calcareas, tão unidas e lizas, que o lápis mais experiente, não assombra com tanta suavidade, as voltas do encanudado de um formoso pavilhão. Ninguem dirá que teem a dureza da pedra, aquelles apanhados de pregas, de dois a trez metros de altura, coloridos diversamente por via das infiltrações de almagre, que alli ha em abundancia, e, mais ou menos saturados pela côr vermelha d’elle, formando um contraste admiravel sobre a brancura das columnas. 

O primeiro salão que eu denominei – dos órgãos – é um dos que mais me encantou. Tem quasi cinco metros de alto, e quatro de largura : nos lados e frente levantam-se uns pórticos em ogiva, de aberturas e ornatos diversos.

Notam-se alli desde a cúpula até á base, ao lado esquerdo de quem vae, umas laminas separadas parallelamente por intervalos desde dois decimetros até dez centimetros, que assimilham a uns bastidores colossaes, de uma superficie aparentemente lapidada, e de uma espessura de 5 a 8 centimetros : póde introduzir-se por entre ellas um braço, e por isso collocámos algumas das nossas luzes na lombada, deixe-me assim dizer, d’aquelle enorme livro meio aberto ; e que lindo efeito isto produzia! Alguns de aquelles diaphragmas, apesar de bem espessos, teem muita transparencia, e deixam coar, entre as luzes, uns reflexos açafroados, lindíssimos. 

Outros de maior espessura, e com aberturas eguaes, parecem os tubos perpendiculares de um magestoso orgam, e com a notável circumstancia de que, batendo-lhes levemente, davam uns sons prolongados, e muito similhantes aos que são vibrados por um relogio em que a mola substituiu a campainha.

Entre este 1º e o 2º salão que eu denominei – das estatuas – é mister passar, subindo e depois descendo, por cima de um rochedo admirável, e que mede apenas metro e meio de elevação. 

Surprehendeu-me a quantidade de fulgor dos lampejos que se despediam da superfície d’este penhasco, quando se fazia oscilar diante d’elle uma luz. Aquella pedra tem uma superficie escura e aveludada ; parece forrada de feltro, e sendo este comprimido pela mão, abate-se, e os lampejos desapparecem. Todavia creio que reapparecem; porque aquella pedra tem sofrido muitos attrictos, na passagem dos que visitam a gruta, e nós encontramol-a radiante dos seus crystaes, e tão brilhantes que pareciam milhões de pyrilampos a esvoaçar por meio das sombras.

A poucos passos do indicado penedo, encontra-se o 2º salão – o das estatuas : elle tem um não sei que de triste. É um âmbito curvo, de extensão aproximada a 11 metros, conservando uma largura de 5 metros, e 6 de altura. Ao approximar-nos d’este recinto, parece que do centro das sombras se levantam aqui e alem, umas estatuas, á altura de 1 metro e metro e meio. 

Aquelles vultos são de uma apparencia tal, que é necessario vel-os de perto para crér que o cinzel do estatuario não andou por alli esboçando figuras humanas.

Aquellas estatuas, deixem-me assim chamar-lhes, estão em semi-circulo, e no eixo da curva, há uns penhascos tambem cobertos de crystalisações ; porém, com quanto muito resplandecentes, assentam n’uma superfície escura, e entre elles ha umas aberturas elipticas, que dão a apparencia de arcadas, além das quaes tudo são sombras. 

Pareceu-nos este logar a parte central das abobadas subterraneas, próximas a Seringapatan, onde existem os mausoleos das dynastias musulmanas de outras eras.

O 3º salão designei-o – A catedral; - porque se assimilha ás ruinas de um templo grandioso, conservando-se ainda de pé uns restos surprehendentes que attestam a sua primeira magnitude. 

O espaço é oblongo ; tem 6 metros desde a base até á abobada, e na sua maior largura 5 metros.

De um lado vê-se uma rocha elevada, do volume e feição de um pulpito. As paredes, recamadas com innumeraveis crystalisações de uma belleza que não póde descrever-se, estão fendidas a prumo, assimilhando gradamentos meios destruidos. 

A um dos lados vê-se uma saliência na rocha, com uns córtes tão em esquadria que fazem parecer um altar, sobre o qual pendem, á altura de 4 metros, umas curvas orladas de franjas, compostas de pequenos tubos com a transparencia cambiante de madreperolas, e terminadas por umas gotas d’agua, que de espaço a espaço descem a luzir até ao solo, constituindo uma perspectiva impossivel de pintar.

Dos outros lados d’este salão, pendem, junto á abobada, uns ornatos, como capíteis corinthios, com as suas folhas de acantho, e pousando sobre umas columnas, brancas como jaspe, parte das quaes parecem quebradas pelo meio, e parte veem-se estendidas entre pequenos montes de crystal de rocha. 

Fazem lembrar aquellas esplendidas crystalisações, os delineamentos da architectura phoceana, similhante á que os Egypcios empregaram no templo de Karnac.

O 4º e ultimo salão é enorme, e fechado por uma grande cúpula de 6 metros de diametro, na altura de 9 metros! 

Alli, o sr. Germano do Souto, nosso intrépido companheiro, subiu a um rochedo de 4 metros de altura, que está a um lado, e levantou a luz do seu brandão. A oscillação d’ella com as de todas as nossas tochas, formava um conjunto de reflexos tão bellos, que a mente mais opulenta de ficções grandiosas, por muito prevenida que estivesse havia de extasiar-se alli, e conhecer que a descripção mais cheia de pompa, não ia além dos traços de uma miniatura imperfeita. Lembrei me n’aquelle enorme subterraneo do infeliz Francisco I. Caldas, morto na Bolivia pelas commoções politicas, porque me veio á mente a descripção que elle faz da famosa caverna Guaya Suma, proximo ao gigantesco Chimboraso, na cordilheira dos Andes.

N’este 4º salão, ha, na sua maior altura, duas grandes aberturas allipiticas, que indicam o seguimento de outras galerias. 

Não fomos lá ; porque só faltava escada própria para hir áquella altura ; mas tambem porque ninguem se afoitára ainda a hir além do ponto aonde nós fomos. Conta-se que um explorador ousado, quis tentar a investigação do resto da gruta, mas ficou transido de terror, pelos precipicios que vira, e desistira do intento.

É possivel que seja isto verdade, e se effectivamente quem intentar a exploração do resto da gruta, deve munir-se de cordas e bons companheiros, sondando com toda a cautella a solidez do fundo das galerias, e verificando de’espaço a espaço se o ar é nocivo á respiração.” 

 

Pode saber mais sobre esta gruta em: 

http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2010/04/gruta-de-alcobertas.html 

 

Bernardino Passos de Arêde Soveral Tavares , nasceu a 20 de Fevereiro de 1815 em Aveiro e Faleceu a 30 de Janeiro de 1885 no Cartaxo. Foi juiz desembargador e senhor do Prazo de Arrudel. Casou-se com Maria Bernardina Dias Tavares (N1823 F1895) em 1853 e tiveram 7 filhos