quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O Sílex de Azinheira, Rio Maior

O Sílex é usado desde praticamente que o homem é homem. 

Em Rio Maior existem vestígios da recolha de sílex, processamento e utilização desde a época do Paleolítico inferior (com o Homo Heidelbergensis) até aos nossos dias. 
No museu da Casa Senhorial estão expostas peças encontradas em Rio Maior, como: Biface do Paleolítico Inferior; Lasca, Raspadores e Pontas Bifacial do Paleolítico Médio; Núcleos, Lascas, Lamelas, Lâminas e Instrumentos Líticos do Paleolítico Superior; Lamelas, Núcleos de Lamelas, Geométricos, Crescentes e Instrumentos Líticos da Idade da Pedra Polida). 


O Sílex é uma rocha sedimentar silicatada, constituída de quartzo criptocristalino. Possui uma densidade elevada, com fratura conchoidal e possui geralmente uma cor cinzenta mas com misturas de outras cores. Existe sob a forma de nódulos ou massas em formações de giz ou calcário. 
Pode ter origem orgânica, fazendo parte do grupo dos acaustobiólitos (rochas de origem biológica não combustíveis, formada de carapaças siliciosas de organismos marinhos) ou inorgânica. Pode ainda ter origem em fenómenos de substituição (processos metamórficos que se desenvolvem após a rocha ígnea estar totalmente sólida). 


Os depósitos de sílex de alta qualidade existentes na zona da Azinheira, Rio Maior, foram a fonte de matéria-prima mais extensivamente explorada para ferramentas de pedra lascada em toda a parte ocidental da Península Ibérica. 
As pedras de sílex da Azinheira foram transformadas em ferramentas pelos homens primitivos ao longo de toda a última Idade do Gelo, entre 60.000 a 10.000 anos atrás. A presença abundante dos cascalhos da Azinheira pode ser responsável pela elevada densidade de locais arqueológicos do Paleolítico Superior registados perto de Rio Maior. 
Num trabalho geoarqueológico realizado entre os anos de 1990 a 2016, foram examinadas mais de 2.330 pedras de sílex ou calcárias recolhidas na Azinheira. Nenhum do sílex encontrado foi encontrado dentro do calcário rochoso, leitos de sílex ou outros contextos geológicos primários. Logo, todo o sílex existente foi transportado para a Azinheira através de processos aluviais ou outros processos geológicos percorrendo distâncias que podem ser de várias dezenas de quilómetros. As pedras de sílex da Azinheira aparecem em cascalhos e depósitos de areia de Mioceno. 
A composição geoquímica do sílex encontrado varia muito o que indica múltiplas origens de formação desta rocha. Algumas amostras encontradas foram originalmente formadas em ambientes marinhos profundos, enquanto outras indiciam ambientes sedimentares de plataforma rasa. 


Mas o sílex da Azinheira não foi somente utilizado extensivamente durante a pré-história. Durante os séculos XVII e XVIII a aldeia da Azinheira foi o principal centro de produção de pederneiras de Portugal. 
Utilizando a particularidade da pedra de sílex libertar uma faísca quando colide com uma peça metálica, o sílex foi usado como pederneira nas armas de fogo, para provocar a detonação. 
Na edição do “Archaeólogo português, Volumes 7-8” de 1903 existem referências às pederneiras e a Azinheira:
- “... Petiscando pederneira sobre um trapo: ao pé do trapo põe-se giesta seca, sopra-se no trapo e acende-se o trapo e a giesta ...” 
- “... na memória relativa a Rio Maior, encontra-se: Compõe-se esta freguesia de nove Aldeas, a de Azinheira, celebre pelas pederneiras que nella se fabricão e tem 32 fogos, etc. ...” 


O mecanismo de pederneira, desenvolvido no início do século XVII, veio para mudar o anteriormente utilizado mecanismo de fecho de mecha. Consiste na utilização de uma pedra de Sílex presa ao extremo do Cão , que após ser accionado pelo gatilho, percute uma peça metálica chamada fuzil, provocando uma faísca que detona a pólvora presente na câmara de detonação. 
Foi o principal mecanismo de detonação de armas de fogo até a segunda metade do século XIX, quando veio a ser preterido pelo mecanismo de percussão, com o aparecimento dos cartuchos. 

Em Portugal as espingardas de fechos de sílex (ou de pederneira, como se chamaram em Portugal) começaram a aparecer no início da década de 1570, mas a confiança nelas era tão pequena que por provisão de 1574, se determinou que quem tivesse arcabuz ou espingarda de pederneira era obrigado a ter serpe ou morrão, para garantia do funcionamento da arma. 
Em 1675, no reinado de D. Pedro, as espingardas de pederneira começaram a substituir os arcabuzes e os mosquetes de morrão; e a cavalaria passou a dispor de clavinas e de pistolas. Embora D. Pedro desejasse ter o Exército todo armado com armas de pederneira, não o conseguiu por falta de meios. 
Em 1704, envolvemo-nos na Guerra de Sucessão de Espanha e durante essa guerra houveram alterações importantes no nosso exército. Por aviso de Maio de 1704, D. Pedro II determinou que os “terços de infantaria se armassem com bocas-de-fogo (armas de pederneira) com baioneta (de alvado). 
Em 1762 Portugal entra na guerra dos 7 anos. Portugal pede ajuda a Inglaterra que manda o Conde de Lippe à frente de uma força militar. O Conde de Lippe constata que o exército português está mal equipado e em acordo com o Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal decidem tomar medidas importantes que tendem à auto-suficiência do exército nacional. 
A 27 de Agosto de 1762 (Reinado de D. José) apareceram nos Armazéns do Reino 23 pessoas de Azinheira identificados como “fabricantes de Pederneira de Rio Maior”. Todos eles aceitaram fazer um contrato em que eram obrigados a entregarem nos Armazéns do Reino 140 pederneiras por dia e por cada um deles. Dois terços das pederneiras seriam para espingarda e um terço para pistola. Ficavam também impedidos de vender qualquer excesso de produção que conseguissem ter sem a licença de Sua Majestade. Foram distribuidos padrões das pederneiras por cada fabricante para estes assegurarem que a produção estava conforme o especificado e as peças não serem rejeitadas pelos aprovadores do exército. Cada fornecedor era pago à razão de mil e oitocentos reis por cada milhar de pederneiras entregues. O Rei também queria fazer uma fábrica de pederneira em Alcântara e obrigou a que 8 dos 23 produtores de Rio Maior ficassem nas Pedreiras de Alcântara. Os que foram para Azinheira: Manuel Gomes, Manuel seu filho, José de Vargas, José da Costa, Inácio da Costa, Manuel da Costa Marques, António da Costa, Francisco da Costa, Manuel de Vargas, Miguel Cardoso, António Pedro, António Mendes, António da Costa da Ribeira, João da Silva Marques e Francisco Ferreira. Os que ficaram em Alcântara: José do Vale, João de Figueiredo, Miguel de Figueiredo, João Pereira, José de Vargas, António de Vargas, Manuel filho de José Carvalho, Bernardo da Silva 
Já no século XIX as nossas espingardas, carabinas e pistolas eram ainda de pederneira, mas os exércitos europeus tentavam adaptar os fechos de percussão às suas armas, mas não foi fácil essa alteração (as pólvoras e cápsulas fulminantes estavam no seu início e pretendia-se transformar armas antigas em vez de fabricar novas). Em Portugal foi determinado que as armas enviadas para conserto no Arsenal fossem transformadas e distribuídas aos regimentos de infantaria. Os resultados foram tão maus que, por ocasião da Guerra da Patuleia (1846), tiveram de ser distribuídas de novo armas de pederneira. 
A produção de pederneira era de tal forma importante que só os povos da Azinheira empregados na produção de pederneiras, conservaram até 1834, a regalia de não serem obrigados a ir à Guerra. Para a recolha do sílex eram feitos uns buracos estreitos e fundos no solo, “veios”, onde a rocha era procurada para posteriormente se fazer as pederneiras. À entrada da Azinheira existe um local denominado “Alto da Cascalheira” que seria onde as pedras de sílex eram concentradas. 
A transformação das armas de pederneira em percussão tomou novo alento com a Regeneração, sendo dada ordem para a conversão generalizada em 1852. Mas só em 1855 se conseguiu produzir um sistema de fechos de ignição de confiança e, simultaneamente, um bom controle de fabrico. 


Hoje em dia a pederneira continua a ser usada mas como equipamento de sobrevivência, utilizada por profissionais de caça, pesca, campismo, resgate e salvamento. 
Como se consegue produzir faíscas da pederneira mesmo após ter sido molhada e palha, gravetos finos ou qualquer outro material pode ser utilizado como combustível para fazer uma fogueira, é um óptimo produto para actividades ao ar livre. 


Este artigo foi baseado em várias publicações, sendo que as 3 mais importantes são: 
- “Pederneiras de Azinheira” - Artigo e notas de Maria Alzira Almeida publicados em nº 1 da 11ª série de O Riomaiorense. 
- “The Rio Maior – Azinheira Ridge (RMAR) Chert Characterization Project”, coordinated by Paul Thacker (2013-2016) 
- “História das armas de fogo e seus Sistemas de Operação: Armas de pederneira” de Ricardo M. Andrade (2016)

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