quarta-feira, 9 de junho de 2010

Salinas de Rio Maior


Salinas da Fonte da Bica
Rio Maior não é banhada pelo mar, mas mesmo assim encontram-se salinas em tudo idênticas ás que se encontram na orla costeira. Estas salinas são o ex-líbris de Rio Maior, pertencendo mesmo á sua simbologia heráldica.
Estas Salinas ou Marinhas de Sal, encontram-se num vale no sopé da Serra dos Candeeiros, a 3Km da cidade e a cerca de 30Km do oceano. Neste espaço rodeado de arvoredo e terras de cultivo (nomeadamente vinha), é de todo inesperado encontrar as pirâmides de sal que normalmente entre Maio e Outubro se encontram a secar ao Sol.


Como é que isto é possível?
Há cerca de 200 milhões de anos o mar ocupava estes terrenos, mas devido a alterações ocorridas nessa altura, o mar recuou e ficou um imenso lago que foi secando. A presença de vida marinha nestas regiões pode ser confirmada pelos muitos fosseis que se encontram na Serra dos Candeeiros. Mais concretamente, no período Mesozóico, a sedimentação nesta zona ocorria num ambiente de pouca profundidade, em lagoas com água do mar, dando origem a alternâncias de argila salgada e sal-gema, sendo que é esta argila a responsável por separar o filão de sal-gema da superfície funcionando como protecção a este mesmo filão.
O mar desapareceu, mas ficou o sal que forma agora uma mina de sal-gema a cerca de 60 metros de profundidade. Como o vale é calcário, as águas da chuva infiltram-se pelas fendas da rocha penetrando com facilidade no subsolo criando cursos de água subterrâneas e não superficiais. Pela jazida de sal-gema passa uma destas correntes de água subterrânea e é esta água que alimenta o poço das salinas e que possui uma concentração de sal sete vezes superior à do mar. A jazida de sal ocupa aproximadamente a área da Estremadura indo desde Torres Vedras a Leiria.
Pensa-se que utilização deste sal-gema já ocorra desde a pré-história, no entanto o primeiro registo documentado é de 1177. Em 1177, Pêro D’Aragão e a sua esposa Sancha Soares venderam à Ordem dos Templários a parte que possuíam no poço e salina (Eram possuidores de 1/5 deste património. Os proprietários das outras 4 fracções seriam D. Pardo, a Ordem do Hospital e a Albergaria do Rei).

A Ordem após a aquisição deverá ter doado a outras pessoas da região. Desde aí as salinas têm passado de geração em geração e desde 1979 pertence a várias pessoas (cerca de 80) que estão associadas na Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior. Houveram alguns proprietários famosos, como no século XV em que D. Afonso V era proprietário de cinco talhos (divisões com pouca profundidade para evaporar a água e ficar assim com o sal), recebia um quarto de toda a produção e tinha o monopólio da venda de sal.
De referir que o documento de venda de 1177 se encontra na Torre do Tombo em Lisboa e é duma época no limiar da nossa nacionalidade, pois pouco antes em 1147 Santarém e Lisboa tinham acabado de ser conquistadas aos Mouros e D. Afonso Henriques só foi reconhecido como Rei pelo Papa em 1179.
O poço primitivo estaria situado um pouco mais a Norte no local denominado Marinha Velha e segundo relatos, no final do século XII só alimentaria 6 talhos. Segundo a tradição, uma rapariga que apascentava gado tentou matar a sede numa poça de água que aflorava num juncal. Sentiu um sabor desagradável a água muito salgada e ao comentar este facto em casa, o seu pai e vizinhos deslocaram-se ao sítio indicado e cavaram no local em que hoje existe o poço, tendo acabado por secar o poço primitivo.
De notar que em tempos não muito distantes o sal era uma substância muito importante no comércio entre os povos, pois para além de servir para dar sabor ás refeições era um dos principais meios para conservar alimentos (carnes e peixes), sendo mesmo usado como moeda de troca no comércio e para pagamento de serviços. Ora a palavra salário vem do uso de pagamento da jorna (trabalho diário) com sal.
É devido a este modo de pagamento usando o sal que chega até praticamente aos nossos dias o uso das típicas ‘tábuas de escrita’. Até há pouco tempo todo o trabalho na marinha era manual, duro e prolongava-se pela noite dentro. Ora os marinheiros (pessoas que trabalham nas marinhas) costumavam consumir avultadas doses de álcool nas tabernas locais. Então o taberneiro fazia a sua escrita em tábuas de madeira com comprimento entre 1 e 1.5 metros e com largura entre 10 e 15 centímetros, representando assim cada tábua a conta de um freguês. Cada símbolo na tábua representava o consumo (Tipo de bebida: Traço grande, copo de vinho grande; Traço curto, copo de vinho pequeno; Circulo, cerveja; Circulo com cruz, mini; Circulo com traço, panachê; Circulo com ponto, café) que o salineiro ia fazendo ou o pagamento que ia realizando. Inicialmente a tábua só continha o símbolo no topo que representa o salineiro e depois eram só traços, pois só se bebia vinho, mas com a introdução das novas bebidas, surgiram os novos símbolos. As tábuas ficavam sempre expostas na parede o que facilitava ao taberneiro receber o pagamento que era sempre feito em sal.

As casas de madeira que se observam quando se chega à zona das marinhas de sal eram antigos armazéns nos quais cada proprietário guardava o seu sal. Estas casas são de madeira para evitar a corrosão pelo sal e os suportes laterais das casas são troncos de oliveira. Hoje, muitas destes armazéns foram transformados em casa de comércio ou restauração, sendo a maior parte do sal guardado nos armazéns da cooperativa.



Uma das características interessantes e únicas nestas casas são as suas fechaduras igualmente de madeira. O sistema de fecho é constituída pela chave, pela tranca e pela corpo principal da fechadura que possui os ‘piqueletes’. A chave é o elemento mais pequeno e não existem duas iguais. Para se abrir a porta, coloca-se a chave com os dentes para cima na fechadura. Pressiona-se a chave para cima de modo a puxar os ‘piqueletes’ e a soltar a tranca. Retira-se a tranca da fechadura o que permite abrir a porta. Este é um sistema simples, não necessitando de muita tecnologia, não é corroído pelo sal e ao mesmo tempo eficaz.



O processo da produção do sal começa com a extracção da água do poço. Inicialmente a água era retirada com a ajuda de duas enormes picotas (ou cegonhas). As picotas são um legado árabe pois foram eles que introduziram estes engenhos na Europa. Actualmente a água é retirada do poço com a ajuda de uma moto-bomba eléctrica e as picotas estão lá como peças de museu. Um facto curioso é a escada que se encontra dentro do poço, pois a sua utilidade é como elemento de segurança para o caso de alguém cair à água. Antigamente trabalhava-se dia e noite e seria muito difícil de socorrer a quem caísse dentro do poço. Com a escada é só se agarrarem a ela e nem sequer é necessário saber nadar pois como esta água salgada é muito densa, flutua-se com muita facilidade.



Antigamente a água ia directamente do poço para os talhos para evaporar. Actualmente a água vai primeiro para os tanques concentradores (8 tanques que comunicam entre si) que vai elevar ainda mais o teor de sal da água também por meio da evaporação.
A água concentrada passa para a pia de distribuição (encontra-se junto ao poço) e daqui vai para os talhos através de sete regueiras. A água com esta concentração elevada de sal muda para uma tonalidade avermelhada.



A evaporação nos talhos demora cerca de 6 dias, havendo assim uma produção semanal de sal em cada talho. Os estreitos carreiros que separam os talhos, denominam-se baratas e servem para os marinheiros circularem.
Estando o sal seco no fundo dos talhos (formando um manto branco), este é raspado e posto a secar nas eiras que lhe estão adjacentes durante cerca de 60 horas (2,5 dias).
Uma das curiosidades é a flor de sal. Este sal de elevada pureza e por isso muito procurado é a primeira camada que aflora à superfície da água que se encontra a repousar nos talhos e que tem de ser logo recolhido.



Daqui o sal é transportado para os armazéns da cooperativa a onde é pesado, tratado, armazenado e embalado.


O sal é vendido em sacos ou nos típicos queijinhos de sal. Estes queijinhos podem ser usados à mesa em substituição dos saleiros e quando se quer deitar um pouco de sal na comida basta raspar um pouco o queijinho.




No final do Século XIX cada talho de sal valia em média 144$000 Reis, montante elevado para aquela época o que evidencia a importância da extração do sal.
Desde 1979 que os actuais proprietários estão agrupados na Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior cujo objectivo é a comercialização de sal dos associados e dar apoio na transformação e aproveitamento da salmoura.
Um dos desafios que a cooperativa tem assumido é o de manter e fomentar a inovação e o progresso para manter a actividade competitiva e em simultâneo conservar este património.
Pode encontrar mais dados sobre a Cooperativa do Sal em:
A aldeia típica assim como se encontra, foi inaugurada em 23 de Junho de 1996 com a presença do presidente da Câmara Municipal, da Junta de Freguesia de Rio Maior, do PNSAC (Parque Nacional da Serra de Aires e Candeeiros) e do presidente da Cooperativa de Sal.
As Salinas de Rio Maior são as únicas do género ainda em exploração em Portugal e desde 1997 que as salinas são classificadas como Imóvel de Interesse Público (Decreto n.º 67/97, DR, 1.ª série-B, n.º 301 de 31 Dezembro 1997).


Vista das Salinas com a Cidade de Rio Maior ao fundo.

A 15 de Maio de 2011 a Cooperativa Agricola dos Produtores de Sal de Rio Maior, decidiu lembrar e homenagear a Primeira Direcção constituida em 09 de Julho de 1979 que era composta por:
Presidente- Dr. João Afonso Calado da Maia; Secretário- Fernando António Duarte; Tesoureiro- Albino Bernardino Vargas; Vogais- Casimiro Fróis Ferreira e João Faustino Henriques.



Dados técnicos:
Nº de talhos 470
Dimensão talhos De 35 a 50m2
Área total 27.000m2
Área concentradores 5.000m2
Profundidade do poço 8,95m
Diâmetro do poço 3,75m
1 litro de água 220g de sal (96% cloreto de sódio)
Produção Anual 1500 toneladas

Pode ver a Recriação Etnográfica e Histórica da Produção de Sal em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2011/07/recriacao-etnografica-e-historica-da.html
Pode ver imagens antigas das salinas em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2010/11/1011-rio-maior-antigoactual-salinas.html
Pode ver as formas de sal nas salinas de Rio Maior em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2011/09/formas-de-sal-nas-salinas-de-rio-maior.html
Pode ver imagens do 'Melhor monte de sal na eira' em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2011/07/concurso-melhor-monte-de-sal-na-eira.html
Pode ver os paineis informativos sobre as salinas em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2010/12/paineis-informativos-sobre-as-salinas.html
Pode ver uma antiga Placa Informativa indicando a direção das Marinhas do Sal em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2011/10/placa-informativa-direccao-marinhas-do.html
Pode saber mais sobre o percurso PR1 - Marinhas de Sal, em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.com/2012/01/percurso-pr1-rm-marinhas-de-sal.html
Pode saber mais sobre os Presépios de Sal e a Aldeia Natal, em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.pt/2012/12/presepios-de-sal-e-aldeia-natal-das.HTML
Pode saber mais sobre as Salinas em 1793, em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.pt/2013/05/as-salinas-de-rio-maior-em-1793.html
Pode saber mais sobre o evento "Sal e Templários", em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.pt/2014/06/sal-e-templarios.html
Pode saber mais sobre a candidatura às 7 Maravilhas das Aldeias de Portugal em:
http://rio-maior-cidadania.blogspot.de/2017/08/7-maravilhas-das-aldeias-de-portugal.html
Pode saber mais sobre o filme "Sal sem Mar" em: 
Pode saber mais sobre o poço primitivo em:

6 comentários:

  1. De muito, muito interesse este trabalho. Não só para o público em geral, mas também para todos aqueles que, de algum modo, precisem de informação sobre o assunto. Curiosa a particularidade de, naqueles tempos, o sal não poder ser vendido para Santarém. Vou tentar saber as razões, numa leitura mais detalhada de toda a informação que agora me chegou pelo Cidadania, a qual muito agradeço. Parabéns.
    Manuel Sá

    ResponderEliminar
  2. Gostei muito, parabéns. Estive à poucos dias no local, ficando com uma dúvida pela qual procuro e ainda não encontrei esclarecimento sobre o seguinte: Me quis parecer no local e tendo em conta o acima descrito "o mar recuou e ficou um imenso lago que foi secando" Gostaria de saber, se são notáveis, efeitos aquando de forte pluviosidade e como é feita a drenagem pluvial daquela zona? Agradecia o esclarecimento.

    ResponderEliminar
  3. Sr. Américo

    Cumprimentos.
    Há um ano deixei-lhe um pedido acerca daquela estátua magnifica que existe no belo Jardim de Rio Maior. Respondeu-me, mas nunca agradeci, faço-o hoje juntando desculpas pela m/ falta.
    Dada a autorização acerca da estátua, hoje não peço, só informo que lhe roubei duas fotos - a do Pôço e a da banca de exposição dos pacotes e queijinhos de sal.
    Estivemos nas salinas no mês passado, fiquei fascinada! A Natureza em toda a plenitude, sempre me encanta.
    Fiz fotos que vou colocar no meu Blog, mas também quero colocar estas de que atrás falo.
    (Mas não me vou esquecer de mencionar o titulo do seu Blog, titular das fotos que aponto.)
    E é tudo, com agradecimentos.
    Dilita.

    Rendadebirras.blogspot.com

    ResponderEliminar
  4. Só é de lamentar, que paramos para visitar e somos assaltados, como me aconteceu na passada segunda feira, lugar para não voltar.

    ResponderEliminar