sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Carlos Pereira, Arqueólogo de Rio Maior.

Carlos Pereira.



Carlos Manuel Coelho Pereira nasceu a 01 de Dezembro de 1962 em Ribeira de São João.
Desde pequeno que o gosto pela geologia e arqueologia o acompanhou, mas foi com a participação num curso de arqueologia do Instituto Politécnico de Santarém que ficou inevitavelmente ligado à arqueologia de Rio Maior. Pediu ao seu professor para participar nas escavações que estavam a decorrer em Almeirim sob a sua responsabilidade. Com esta participação e com os contactos deste professor e do então Vereador da Câmara de Rio Maior, Silvino Sequeira, surgiu a ideia de se ter alguém em Rio Maior a trabalhar a tempo inteiro a fazer prospecção de campo e a ir assinalando as estações arqueológicas descobertas.
O Grupo de Animação à Juvenil (GAJ) promoveu um Curso de Arqueologia em Rio Maior que trouxe à nossa terra o mestre de arqueologia, Octávio da Veiga Ferreira. Surgiu um novo projecto de campo que trouxe Humberto Nuno de Oliveira, formalizado com a assinatura de um protocolo com a Universidade Lusíada onde este investigador é docente, começando assim a arqueologia de forma sistemática em Rio Maior.
Carlos Pereira tem o curso Superior de História pela Universidade de Lusíada de Lisboa e é actualmente o Arqueólogo de Rio Maior.
Após vários anos em que não teve condições para poder fazer o trabalho como gostaria, surge a crise económica que neste momento dificulta as desejadas grandes intervenções.
No entanto os trabalhos de investigação continuam com a equipa pluridisciplinar PARM (Equipa Multidisciplinar para o Património e Arqueologia de Rio Maior). Este grupo que surgiu em 1992 dedica-se ao estudo, divulgação, promoção e protecção do património de Rio Maior.
Está também a ser realizado o levantamento antropológico de São João da Ribeira por um dos elementos da PARM, a ser promovido um curso de arqueologia em colaboração com a Wake Forest University (Carolina do Norte – EUA), a serem realizados projectos de revitalização da Casa Senhorial e da Villa Romana, a serem realizados trabalhos de arqueologia de emergência (acompanhamento de obras em que se realizam movimentação de terras) e claro a serem dinamizadas as visitas de estudo com as escolas interessadas.
Recentemente, têm sido feitas importantes descobertas na nossa região. Mas enquanto os espaços e objectos encontrados não estiverem devidamente estudados, catalogados e protegidos, não devem ser divulgados, de modo a evitar a sua destruição e consequente perda de património, que é como quem diz a perda destas ‘janelas’ para o nosso passado.
Mas pode referir-se o importante sítio que é o Castro de S. Martinho. Já se procedeu ao estudo por Radar e está a organizar-se uma campanha para detectar as estruturas do castro, a tipologia, a área ocupada e a integridade dos achados. Uma intervenção futura pode passar por colocar a descoberto as estruturas e talvez reconstruir alguns dos edifícios.

Outro local interessante para investigar, é a área dos Silos de Alcobertas (reservatórios medievais escavados no solo para guardar cereais ou outros viveres). Ainda existem algumas perguntas sobre estes silos que não estão bem explicadas, como: Porque é que foram encontrados alguns silos selados, mas limpos e vazios? E porque é que um deles estava cheio com pedra basáltica se não há rocha deste tipo nas imediações? Também aqui se fez o estudo do local por Radar tendo sido detectadas anomalias que podem indicar a presença de novos silos.
Entre os anos 30 e 50 do século passado, realizaram-se várias escavações em Rio Maior e milhares de peças estão guardadas em caixotes no Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia em Lisboa. Está a tentar-se que parte desse espólio seja devolvido a Rio Maior, mas para isso temos que ter um museu.
O museu pode surgir na zona da Villa Romana que neste momento não possui condições para ser visitada (com a excepção de visitas guiadas com grupos pouco numerosos), mas, sendo o mais importante e emblemático monumento da nossa cidade, pode e de certeza será o seu ex-líbris. Devido a possuir mosaicos com padrões de grande qualidade e com muitas tonalidades de cor, a Villa Romana deverá ser protegida por uma estrutura que evite a acção directa do Sol. Aproveitando esta estrutura, poderia nascer aqui um museu da região em que ficariam patentes os vários achados recolhidos e que são uma evidência da ocupação de Rio Maior de uma forma contínua desde o tempo do Paleolítico aos nossos dias. Aproveitava-se assim a Villa Romana para criar uma nova centralidade na cidade, criavam-se novos fluxos de pessoas e abria-se um novo espaço de lazer que permitiria também promover uma zona de contacto com o rio. De notar que a colecção pessoal do arqueólogo Octávio da Veiga Ferreira respeitante às descobertas em Rio Maior, poderia ter ficado cá na terra se o museu já existisse. Assim foi para Israel aquando do seu falecimento, devido às suas raízes Judaicas.

É necessário também referir que é muito importante avisar o sector de arqueologia da Câmara sempre que ao se executar uma obra que obrigue a remoção de terras surjam vestígios de ocupação antiga. Está incutida a ideia que os estudos de arqueologia sobre os achados irão atrasar as obras ou mesmo inviabilizá-las, mas esta ideia pré-concebida está errada. A função do arqueólogo nestes trabalhos de emergência é o de fazer o levantamento topológico dos achados, catalogar e recolhê-los. Só em caso de achados extraordinários é que as obras seriam afectadas, mas mesmo aí, existem soluções e alguns casos poderiam sair valorizadas caso os achados pudessem ser incluídos no projecto de execução da obra. Existem em Rio Maior bons exemplos deste tipo de arqueologia de emergência como os achados da época do Paleolítico e do Calcolítico que foram recolhidos nos sítios que ficaram designados por Vale de Óbidos e Sesmarias.
O que se deve evitar é que património seja irremediavelmente perdido sem ser estudado, como o que conteceu na altura da construção do parque de estacionamento junto à Câmara Municipal, destuindo-se sem dar oportunidade de estudo, as fundações e outros vestígios da antiga capela de S. Sebastião, datada do século XVI ou ainda com a destruição de sítios arqueológicos no Pinheiro de Carneira e Vascas durante a construção de vivendas na zona do Cidral.
Existe também património que pode ser recuperado e em exemplo disso, está-se a tentar realizar uma campanha para encontrar as partes de um possível menir (bétilo) que existiu em Ribeira de São João e sobre o qual apenas existe uma fotografia antiga que mostra os desenhos que esta pedra sagrada tinha.

Sobre os possiveis erros que segundo Carlos Pereira têm sido cometidos na análise histórica, não são muitos, pois na sua maioria vêm da tradição popular e isso não deve de ser considerado erro. Por exemplo, chamar Potes Mouros aos Silos de Alcobertas ou Fonte Mourisca à fonte de Assentiz, não são erros, pois mesmo sabendo que eles não são de origem árabe, não faz sentido chamar a estas construções por outro nome que não seja aquele pelo que elas são e sempre foram conhecidas pela cultura popular. No entanto, continuar-se a afirmar que o adobe foi introduzido em Portugal pelos Árabes já pode ser considerado um erro, pois os romanos já o utilizavam e, por exemplo, na Villa Romana de Rio Maior, existem vestígios de adobe na estrutura das paredes.

É impossível definir qual a ‘jóia arqueológica’ de Rio Maior pois os vestígios são muito vastos e cada um deles é importante para a sua época arqueológica, ou para a identidade de um lugar. Mas pode-se sempre referir os muitos vestígios de ocupação humana que têm sido recolhidos e que atestam a ocupação continua deste lugar desde o Paleolítico (há 600.000 anos), a Villa Romana que poderá ser o próximo cartão de visitas de Rio Maior, o Castro de São Martinho e o Dólmen de Alcobertas.

Este texto teve por base uma conversa informal no escritório de Carlos Pereira na Casa Senhorial e desde já agradeço a disponibilidade que mostrou em me receber.
Carlos Pereira é um homem apaixonado pela arqueologia, capaz de sacrifícios pessoais para proteger o património e manter as suas convicções. Considera que as adversidades são um estímulo para continuar e que é no recorrer a parcerias que pode estar a chave para não se estagnar nesta época de crise. Por fim, Carlos Pereira define-se como pragmático, mas não ortodoxo nem fundamentalista.

Resta-me deixar um convite a todos para visitarem a Casa Senhorial em Rio Maior, onde podem apreciar a exposição permanente sobre a Villa Romana. Está também patente uma exposição de achados arqueológicos da região, organizados cronológicamente desde o Paleolítico até aos nossos dias, à qual pertencem objectos como peças do tempo da pedra lascada, da pedra polida, cerâmicas medievais, vestígios da invasão napoleónica e da indústria mineira.

PARM – Equipa Multidisciplinar para o Património e Arqueologia de Rio Maior

Como curiosidade fica aqui também uma cópia de uma entrevista que Carlos Pereira deu ao ‘Jornal Região de Rio Maior’ em 1989.

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